Modão modernizado de DJ Chris no Beat, Ana Castela, Luan Pereira, Léo & Raphael e Us Agroboy. Eles defendem o agronegócio e juntam som de raiz com batidas eletrônicas.
Uma nova comitiva desbrava as paradas do Brasil, de chapéu e bota, com um pé no passado do sertanejo do “modão” de raiz e outro no presente do funk, rap e eletrônica.
O toque de berrante na introdução de “Pipoco”, uma das músicas mais tocadas no Brasil hoje, anuncia a força da vertente chamada de “agro”.
Os artistas exaltam o agronegócio nas letras, ao som de um sertanejo que expande fronteiras agrícolas e musicais. O modão virou modinha.
A música sertaneja sempre exaltou o campo, mas aqui as letras parecem comerciais da agropecuária. Absorver outros ritmos é outra prática antiga, mas que fica mais intensa com bases sintetizadas e vozeirões de boiadeiros. Conheça cada um:
Léo e Raphael se juntaram em 2014 em Londrina (PR), centro desta cena do agro. Dois anos depois eles emplacaram a música “Sai do mato veiaco”. “Som de peão”, de 2017, já desenrolava o papo pró-agro: “Cavalo e boi de raça, e aqui as minhas vacas / Até atendem pelo nome”.
Em outubro de 2019 a voz grave de Léo escancarou a defesa do setor em “Agro é top”. A música parece um jingle e o clipe funciona como anúncio, com cartelas de texto sobre exportação de soja e criação de boi no Brasil. Foram 20 milhões de views no YouTube.
Eles colheram o sucesso próprio e enxergaram o terreno fértil para semear novos artistas. Raphael virou sócio do conterrâneo Rodolfo Alessi, da dupla Fabinho e Rodolfo. Os empresários e compositores criaram a produtora Agroplay, de olho no filão do sertanejo que exalta o agro.
Em junho de 2021 Léo e Raphael bombaram ainda mais com “Os menino da pecuária”, outra ode ao setor: “Não é à toa que o PIB começa com P de pecuária”, eles cantam. A música tem outro elemento importante nesta cena: uma batida de funk no meio dos símbolos do interior.
Seis meses depois eles lançaram uma sequência do hit: “As menina da pecuária”, em parceria com Ana Castela. A cantora de 18 anos foi a primeira a assinar com a Agroplay. O segundo contratado foi o DJ Chris no Beat.
“(O agro) alimenta o mundo e sustenta o Brasil. E a gente falou: cara, temos que levar isso para a música”, diz Léo sobre a ferrenha defesa do setor nas letras. Ele afirma que não recebe apoio financeiro dos fazendeiros: “Não, isso aí foi a nossa bandeira”.
Ana Flávia Castela nasceu em Amambai (MS) e foi criada na vizinha Sete Quedas, na fronteira com o Paraguai. Os avós tinham uma fazenda no lado paraguaio. Ela cresceu entre os dois países, aprendeu a cantar em um coral de igreja e começou a postar covers de músicas pop no YouTube.
Ana foi levada para a Agroplay por Rodolfo Alessi, amigo da mãe dela. O primeiro tiro já foi no alvo. “Boiadeira” saiu em fevereiro de 2021. Ainda de aparelho nos dentes e espinhas no rosto, Ana cantava sobre uma menina que trocou a cidade pelo interior: “A maquiagem dela agora é poeira”.
“Boiadeira” virou a alcunha da cantora de 18 anos. A faixa ganhou um remix do DJ paulistano Lucas Beat, que mistura funk e house. Com “Nois é da roça bebê” e a levemente eletrônica “Neon”, Ana virou ícone dos fãs novinhos que dançam de chapéu e bota no TikTok.
Ela virou ponteira da comitiva do agro com a explosão country-funk-EDM de “Pipoco”, com DJ Chris no Beat e MC Melody. Ana chegou a entrar na faculdade de Odontologia, mas largou. Agora, jogar PlayStation é a única coisa que consegue fazer entre turnês e gravações.
O remix de “Boiadeira” feito por Lucas Beat mostrou o potencial do agro eletrônico. Mas quem abraçou essa mistura foi um DJ de mesmo sobrenome artístico: Chris no Beat. Christian Valezi, 31 anos, de Londrina, era produtor musical de duplas como Pedro Paulo e Alex.
Na pandemia, o trabalho diminuiu e ele virou videomaker. Acabou indo filmar os primeiros clipes de Ana Castela, conheceu Lucas Beat e viu o potencial do estilo. A primeira faixa como DJ foi “Saudade de aglomeração”, com Pedro Paulo & Alex, Bruno & Barreto, Léo & Raphael e Loubet.
No fim de 2021 ele lançou o batidão “Pira nos caipira”, com Luan Pereira. “Deu muito bom no TikTok”, descreve. Ele viu que a “molecada mais nova” queria “uma mistura modernizada para escutar no carro ou numa festa”. Já pela Agroplay, lançou um DVD com sucessos como “Juliet e Chapelão”.
“Se você pegar os tops do streaming, vai ter um funk, um rap, uma música eletrônica”, descreve Chris no Beat. Seu modão modernizado, portanto, é uma forma de entrar na “competição com as outras músicas no mercado”.
O jornalista e pesquisador GG Albuquerque notou, em artigo para o site I Hate Flash, que “(o agronejo) opera como máquina de propaganda da indústria agropecuária, muitas vezes apropriando-se de discursos e narrativas de gêneros musicais marginalizados, como o funk”.
A produção de “Pipoco” subverteu a prática sertaneja. “Eu já tinha feito a batida, e chamei a Ana e o pessoal ali para escrever em cima dessa base”, ele conta.
A composição em torno do beat é o jeito mais comum de se criar música pop eletrônica em vários lugares do mundo – mas não em Londrina. “Agora vamos fazer outras assim”, adianta Chris.
Ele diz que a referência são produtores dos EUA. Se as letras tentam separar o boiadeiro do playboy da capital, o som nunca foi tão próximo.
Luan Pereira ainda não tinha seu vozeirão grave quando decidiu virar cantor. Criança, com voz de “canarinho”, saia de casa e “ia todo domingo com o violãozinho nas costas cantar na rádio da cidade”, lembra.
Ele nasceu em Suzano (SP), mas cresceu na zona rual de Rosana (SP), ouvindo Gino e Geno, Trio Parada Dura e Matogrosso e Mathias. Aos 14 anos, começou a cantar em barzinhos e onde mais pudesse. “Se deixasse eu dava canja em velório”, brinca.
Enquanto a voz do menino engrossava, ele achava seu estilo cavernoso. “Descobri minha textura vocal”, ele diz. Outra descoberta foi o alcance dos vídeos de covers com a voz grave no Instagram, onde ganhou fãs e contatos. Com uma tentativa de paquera por DM, conheceu Ana Castela.
Eles ficaram amigos e a carreira dos dois deslanhou ao mesmo tempo. Assim como Ana, Luan se mudou para Londrina, casa da “galera do chapéu”, como eles se chamam. “Aqui o pessoal vai até na rave de chapéu”, ele justifica.
O cantor e compositor é hábil tanto nas modas das redes sociais (“o povo hoje em dia tá enjoando rápido das coisas”, ele explica) quanto nas modas de viola (“o repertório tem música romântica também, porque tem sempre um povo que consome muito isso”).
Luan emplacou hits de funknejo com Chris no Beat e o DJ Kevin, outro músico eletrônico do novo sertanejo (de “5 playboy não faz”), mas também vanerões à moda antiga, como “Chama”, com a amiga Ana.
O jeito escrachado, as misturas arrojadas de sertanejo com hip-hop e a voz com efeito de AutoTune fazem parecer que é tudo piada. Sem contar o nome da dupla: Us Agroboy. Mas a brincadeira é séria e tem Fernando & Sorocaba como investidores. O estilo foi autointitulado “hip-roça”.
O mineiro Jamil Lennon Gomes Cortes, o Jota Lennon, e o goiano Gabriel Vitor de Freitas, o Gabriel Vitor, se conhecem desde 2017 e formaram a dupla em 2021. Eles lançaram sucessos como o electro-modão “Baladinha rural”.
Da cabeça sem limites de Jota Lennon também saiu a ideia de um “Poesia Acústica do agro”. O projeto “Fazendinha Sessions” junta os artistas da cena em parcerias com arranjos semi-acústicos ao estilo da série de vídeos de rap com violão.
A direção musical é do paranaense Eduardo Godoy, que produz todas as músicas de Ana e boa parte dos outros cantores da cena. Para o “Fazendinha Sessions 2”, a ideia é juntar a mesma turma com extras: “Nossa ideia é expandir é começar a trazer a galera de outros segmentos”, diz Eduardo.
A nova turma não surgiu do nada nem está sozinha. Na década passada, por exemplo, rolou uma onda “bruta” com artistas como Loubet, Jads e Jadson, João Carreiro, Bruno e Barretto, Anthony e Gabriel, e Bruna Viola. Todos seguem na ativa e se integram à atual onda do agro.
A voz “bruta” mais celebrada pelos novinhos do agro é a de Emerson Carlos Loubet. Luan Pereira e Ana Castela foram descobertos em vídeos em que faziam covers do cantor de Bela Vista (MS) – covers de “Vaqueiro apaixonado” e “Mastiga abelha”, respectivamente.
“Eu vim de Bela Vista, no interior do Mato Grosso do Sul, e já trabalhei no campo, fazendo todo tipo de serviço de fazenda. Então é uma coisa que vem desde criança, um estilo de vida que eu passei para a música”, diz Loubet.
Ele identifica a mesma autenticidade na voz dos pupilos Luan Pereira e Ana Castela. “Depois de dez anos de estrada ver o pessoal se inspirando na gente é muito bacana. É muito bom ver essa nova geração do agro”, ele elogia.
Ana Castela brilha em uma clareira que Bruna Viola ajudou a abrir. A cantora e instrumentista de mão cheia tem quase duas décadas de carreira no sertanejo mais tradicional. Em 2015, por exemplo, ela lançou “Sistema da bruta”, que alfineta os “abeia” – gíria que indica pessoas de fora deste universo rural.
Ela desafiou estereótipos de idade e de gênero. “Tinha um preconceito de que a viola caipira e a música de raiz era só para pessoas mais velhas ouvirem. E ainda de que a viola era um instrumento muito masculino”, ela diz.
“Fui quebrando essas barreiras, e aí tem a geração mais nova para quebrar mais um pouco”, ela elogia.
Ela também aproveita o novo período de alta no agro. Bruna Viola é protagonista do longa “Sistema bruto”, comédia de ação que se passa neste universo agro, com Jackson Antunes e Marisa Orth no elenco. A estreia acontece ainda em 2022, mas ainda sem data fechada.
Fonte: G1